Em conversas que tenho tido com pessoas dos mais diversos graus de instrução e cultura, das mais díspares profissões e desencontradas formas de olhar a realidade, tenho-me apercebido que todas, ou quase todas, têm da indústria gráfica e transformadora do papel a idéia da pequena tipografia onde mandaram fazer os seus convites de casamento, o seu papel timbrado ou os cartões de visita. Algumas, mais atentas, não deixam de me falar nas grandes rotativas dos jornais que, quase sempre, só viram no cinema, na televisão ou numa fotografia publicada num jornal, livro ou revista.
Por outro lado, a indústria gráfica e transformadora do papel ainda é para eles, aquela atividade em que os operários, juntando pequenos caracteres de chumbo compõem, linha a linha, os textos que serão impressos, não tendo mais do que a idéia que lhes foi transmitida- quando o foi – no 4º ou 5º ano do liceu, e aprenderam que Gutenberg “inventou”, na Idade Média, a Imprensa.
Regalo-me quando os vejo, de olhos esbugalhados e ar meio incrédulo, ouvirem-me desenrolar o extenso e quase infinito rol de produtos que todos os dias usam e que nunca lhes tinha passado pela cabeça terem sido produzidos em empresas gráficas e transformadoras do papel.
— Já pensou que desde que se levanta até que se deita, você está em permanente contacto com objetos e produtos que, de alguma forma, passaram em empresas deste sector industrial?
Voltam a fitar-me com desconfiança que logo se desvanece e se transforma em patente admiração quando lhes digo:
— Pois é, você provavelmente levanta-se de uma cama com lençóis que têm motivos que são serigrafados, faz a barba e lava os dentes, podendo distinguir as duas pastas porque elas se encontram contidas em embalagens impressas de forma diferente, toma o pequeno almoço e facilmente distingue os corn-flakes das batatas fritas e o açúcar do sal, porque embalados em caixas, também impressas, com cores, dizeres e motivos diferentes. Depois sai e compra o jornal e o bilhete do transporte público, também impressos, utiliza os seus lenços de papel se está constipado, e chega ao local de trabalho onde o esperam mil e um produtos da indústria gráfica e transformadora do papel: as pastas e arquivadores, o papel para computador as etiquetes para endereçar informaticamente, o rolo para o fax, o calendário, os sobrescritos, os livros o papel para a fotocopiadora, os impressos múltiplos, os cheques, as letras, etc., etc., etc.
Á hora do almoço a toalha e o guardanapo são, muito provavelmente, um transformado do papel, bem como o cardápio e a forma do bolinho que comeu como sobremesa. No ato do pagamento lá estão as notas, uma vez mais impressas, ou o cartão de crédito, também ele um produto fabricado numa empresa gráfica e transformadora do papel. À tarde, no supermercado, um ror de rótulos e embalagens papel e cartão, embalam os mais diversos produtos, dos congelados aos chocolates, das sopas instantâneas aos produtos de higiene e limpeza, tudo embalado e impresso da forma mais chamativa possível para que você não se esqueça de comprar. Se calhar leva rolos de cozinha ou papel higiênico ou ainda papel metálico para cozinhar um prato no forno. Antes passou na livraria e comprou um álbum de banda desenhada para os miúdos e levou do vídeo clube um filme, cuja caixa tem também uma capa impressa.
Já em casa, o painel de comando do fogão ou da máquina de lavar estão também impressos bem como o saco de mão que trouxe do supermercado. Terminado o jantar você revê os trabalhos da escola dos filhos e aconselha-os a manterem em boa ordem os cadernos, os livros e todo o restante material escolar. Faz ainda uma consulta à agenda para se certificar das suas obrigações no dia seguinte e distrai-se com a sua coleção de selos ou de postais ilustrados. Se é fumante, o maço do cigarro também foi impresso bem como a caixa dos comprimidos ou do xarope das crianças.
Os meus interlocutores costumam então dizer-me espantados.
— É verdade, nunca me tinha lembrado que a indústria gráfica e transformadora do papel estava presente em todas as outras atividades industriais e de serviços constituindo, seguramente, uma importante infra-estrutura de toda a atividades econômica.
Então não deixo de lhes retorquir:
— Este setor não tem, dos poderes públicos, a atenção e carinho que merece!
Ninguém se lembra que por cada par de sapatos, garrafa de vinho do Porto, calça ou camisa que é exportada, lá vão também caixas, rótulos, etiquetas, peitilhos, tudo produtos gráficos e transformados do papel, que também são exportados, embora de forma indireta. Este sector tem grandes potencialidades, mesmo no campo da exportação e não só para o mundo de língua portuguesa. É grande a incorporação de matéria-prima e trabalho nacional, pois temos celulose, papel, e bons trabalhadores, apesar da falta de formação profissional que se faz sentir. É sempre preferível exportar produtos transformados, com maior valor acrescentado, do que vendermos só a pasta celulósica ou o papel.
Por fim, já plenamente convencidos e conscientes da importância da indústria gráfica e transformadora do papel, os meus interlocutores ainda pasmam quando rematando lhes digo:
— Não se esqueça que até sobre tripa há empresas que imprimem! Ou não se lembra da impressão que é feita na mortadela ou na pasta de fígado ou salame que compra na charutaria?
Rui Canaveira (texto original)